TEXTO 7 – De olho no cronômetro
O
poeta brasileiro Mario Quintana, em Das
ampulhetas e das clepsidras, diz o seguinte:
“Antes
havia os relógios d’água, antes havia os relógios
de areia. O Tempo fazia parte da
natureza. Agora é
uma
abstração – unicamente denunciada por um
tic-tac
mecânico, como o acionar contínuo
de
um gatilho numa espécie de roleta-russa.
Por
isso é que os antigos aceitavam mais
naturalmente
a morte.”
Dialogando
com o poeta, acrescentamos que somos “feitos” de tempo: sem a memória (passado)
e sem os projetos (futuro), o nosso presente deixaria de ser propriamente
humano. Portanto, o que dizer de um tempo de velocidade preestabelecida que não
respeita a cadência do próprio corpo nem as diferenças individuais? Na era
capitalista, eficácia, organização e padronização transformam-se em palavras de
ordem e todo o movimento passa a ser controlado externa e artificialmente. Se
artificializamos demais os ritmos vitais, nem poderemos “morrer bem”, já que
vivemos tão mal!
Foi
isso que aconteceu quando os proprietários das fábricas, na busca de maior
produtividade, implantaram sistemas de “racionalização”, que, em última
análise, significam economizar tempo, transformando-o em mercadoria. Como foi
possível tal proeza?
O trabalho
“em migalhas”
O norte-americano Frederick
Taylor, no início do século XX, elaborou uma teoria conhecida como taylorismo. Partindo do princípio de que
os operários são indolentes e não sabem usar seus gestos de modo econômico,
Taylor estabeleceu um “controle científico”, por meio da medição por
cronômetros, para que a produção fabril fosse cada vez mais simples e rápida.
Com
a criação de um setor de planejamento responsável pelo “saber como produzir”,
ficava muito mais nítida a separação entre a concepção e a execução do
trabalho, isto é, entre o projeto e a sua realização, entre o pensar e o fazer.
A
mesma intenção de aumentar a produtividade levou Henry Ford, também
norte-americano, a introduzir a esteira da linha de montagem e o processo de
padronização ou estandardização da produção em série na sua fábrica de
automóveis. A produção de carros e os lucros de Henry Ford aumentaram
vertiginosamente, mas o operário foi submetido ao trabalho parcelado e
repetitivo.
O
parcelamento das tarefas reduz a atividade a gestos mínimos, o que aumenta a
produção de maneira incrível, mas também transforma o trabalho “em migalhas”:
cada operário produz apenas uma parte do produto.
Um
dos problemas desse processo é que, além da monotonia que reduz a ação a
operações simples, detecta-se a fragmentação do conhecimento: o operário perde
a noção do todo e com isso o conhecimento prático da fabricação de um objeto,
situação muito diferente daquela do antigo artesão, que cuidava de todas as
etapas da confecção de um produto.
O
planejamento e a burocracia apresentam-se com a imagem de neutralidade e
eficácia da organização, como se estivessem baseados em um saber objetivo,
eficaz, desinteressado. Essa imagem de neutralidade mascara um conteúdo
ideológico eminentemente político: trata-se, na verdade, de uma técnica social de dominação. Vejamos por
quê.
A
chamada racionalização do processo de trabalho trouxe em si uma irracionalidade
básica, ao desvalorizar o ritmo do corpo, o sentimento, a imaginação, a inventividade
humana. Não é fácil submeter o operário ao trabalho rotineiro e repetitivo,
reduzindo-o a gestos estereotipados, mas com o taylorismo, a coação visível de
um chefe foi substituída por maneiras mais sutis de constrangimento que tornam
o operário submisso, porque as orientações vindas do “setor de planejamento”
tornam a ordem impessoal. Ao retirar toda iniciativa do operário, modela seu
corpo segundo critérios exteriores, “científicos”, e faz com que interiorize a
norma.
Aliado
à lógica da produção em série, o investimento em publicidade visava a provocar
a artificialmente a “necessidade” da compra. Estava nascendo a sociedade de
consumo com seus patrocinadores, anunciantes, facilidades de crediário e
campanhas publicitárias veiculadas, naquele tempo, sobretudo pelo rádio. Desse
modo, as fábricas não só lançavam um produto na praça, mas também “produziam” o
consumidor, como veremos mais adiante.
TEXTO 8 –
Novos tempos na fábrica
A
partir das décadas de 1970 e 1980, mudanças radicais nas maneiras de trabalhar
repercutiram no modo de vida tanto nas cidades como no campo. Com a implantação
de tecnologias de automação, robótica e microeletrônica, surgiram novos padrões
de produtividade. A tendência nas fábricas foi de quebrar a rigidez do fordismo
e do taylorismo. Implantado por diversas empresas, o sistema ficou conhecido
como toyotismo, nome originado da
fábrica de automóveis Toyota.
O
novo sistema de produção é mais flexível por atender aos pedidos à medida da
demanda, com planejamento a curto prazo. Ao contrário do fordismo, s
ão privilegiados o trabalho em equipe, a descentralização da
iniciativa, com maior possibilidade de participação e decisão, além da
necessidade de polivalência da mão de obra, já que o trabalhador deve controlar
diversas máquinas ao mesmo tempo.
Outra
característica dos novos tempos na fábrica foi o enfraquecimento dos sindicatos
desde o final da década de 1980, o que repercutiu negativamente na capacidade de
reivindicação de novos direitos e na manutenção das conquistas realizadas.